Segundo a doutrina unânime, o constitucionalismo moderno é marcado por uma quebra paradigmática, que representa o despertar de um novo tempo, plasmado de um ideal iluminista, a repelir o poder central e absoluto do antigo regime. O ponto inaugural desse modelo encontra-se nas revoluções burguesas, notadamente a Revolução Francesa, de 1789.
A partir daqui, o constitucionalismo ganha nova roupagem para assumir a afirmação da supremacia do indivíduo, ao mesmo tempo em que pugna pela limitação e racionalização do poder. Imperioso ressaltar, neste passo, a inegável contribuição de ROUSSEAU (Contrato Social), o autor que preconiza a constituição do Estado pelo governo das leis; não aquelas que derivavam da vontade divina, exteriorizada pela boca do soberano, mas como produto da expressão da vontade geral – “o querer que resulta das vontades individuais quando atendem tão-somente aos ditames da razão” – lançando o embrião do que hoje se conhece por Estado Social e Democrático de Direito.
Toda a construção teórica operada no fervor do constitucionalismo moderno reflete o mesmo e único pano de fundo: o referente social; o homem é o centro da temática constitucional, pois é dele que provém e para ele é que se destina toda a normativa suprema do Estado. A Constituição é, pois, o estatuto do homem livre: o homem que descreve e escreve a estrutura e o destino de sua comunidade, os conflitos e os anseios sociais, os direitos, as garantias e as liberdades individuais, as diretrizes básicas e fundamentais para o desenvolvimento da harmonia e paz do grupo social. Se o paradigma da Constituição, no antigo regime, limita-se à preservação da estrutura política imposta pelo soberano e à legitimação do poder do soberano, tem-se, aqui no constitucionalismo moderno, um novo referencial: a Constituição como estatuto fundante da sociedade.
Neste ambiente contratualista a lei passa a ser o grande instrumento legitimador do exercício do poder pelo soberano; se a lei é produto de um pacto social, marcado pela submissão da vontade individual em prol da vontade geral, todo o ato do Estado, em conformidade com a Constituição, é autorizado pela sociedade. Inegável, assim, a fundamentalidade da Constituição no meio social. Direito é norma, e norma que emana do povo – do contrato social – e, por isso mesmo, legitima o exercício do poder. Há de se reconhecer, desta forma, que a norma fundamental, que nasce da vontade geral, não se presta a servir ao soberano; a Constituição é instrumento de proteção e garantia do cidadão, em face dos ataques arbitrários do soberano.
A história demonstra, neste passo, que a Constituição moderna é fruto de um movimento revolucionário, cujas principais características se revelam em dois tributos fundantes de uma ordem estatal: trata-se, pois, de (i) instrumento de garantia de direitos fundamentais; e de (ii) instrumento de limitação do poder. Fornece, assim, as diretrizes e programas fundamentais de estruturação do Estado – enquanto comunidade politicamente organizada – e do exercício do poder. Lembra Vanossi que entre essas duas partes em que se edifica a Constituição, há uma estreita relação de meio e fim; a organização, divisão e limitação do poder constitui-se, então, no meio para assegurar os direitos individuais, que é o seu fim.
O receio do insucesso da proposta iluminista forçará o pensamento político liberal a idealizar um mecanismo que garanta o novel modelo contra qualquer eventual risco de retorno do antigo regime; nasce o sistema dos freios e contrapesos, na perspectiva da separação dos poderes.
Feita esta contextualização, esclarece-se ao leitor que o presente artigo preocupar-se-á, assim, com o estudo da atuação legislativa estatal, à luz da limitação do poder e em prol da concretização jurisdicional dos direitos fundamentais.
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